Parece que vi o filme de hoje numa qualquer sala de cinema em 2002. Levamos o Melhor Jogador do Mundo (Figo em 2002 e CR7 em 2014), na primeira parte do 1.º jogo já levamos 3-0, um jogador experiente que é expulso por uma atitude infantil (JVP vs árbitro contra a Coreia do Sul), o chuveirinho típico como táctica privilegiada e... saímos do Mundial envergonhados.
O filme repete-se agora, senão vejamos:
1- A preparação da competição. Em 2002, preferimos fazer um tour em Macau e apenas um jogo de preparação (contra a China) porque as condições financeiras eram boas, tínhamos uma comunidade portuguesa lá no sítio, etc, em vez de nos prepararmos ao ambiente e às condições da Coreia do Sul e também para adversários como os EUA, a Coreia do Sul ou até mesmo a Polónia. Em 2014, preferimos fazer um tour nos EUA (novamente o dinheiro como motivação) e chegamos demasiado tarde ao Brasil (a apenas 4 dias do 1.º jogo), quando outras selecções já lá andam há semanas para se ambientarem às condições específicas do País (clima, etc).
2- Os estatutos dos jogadores. Em 2002, era o Vítor Baía que tinha de ser titular quando o Ricardo tinha sido vice-campeão nacional (campeão no ano anterior) e feito grandes exibições ao serviço do Boavista. Jorge Costa já dava sinais de cansaço, mas também era titular indiscutível.
Em 2014, também há jogadores intocáveis. São convocados jogadores com pouco mais de uma dúzia de jogos nas pernas (Nani, Éder, Vieirinha, etc), outros lesionados (Postiga) e outros ainda que têm de ir porque o sr. empresário quer valorizar o seu passe.
Miguel Veloso nem foi o pior, mas parece ter lugar garantido no 11 mesmo apesar de ter feito 19 jogos na liga ucraniana e num clube que é melhor a pagar do que propriamente a garantir um nível elevado de competitividade aos jogadores (Dinamo Kiev). William Carvalho, que fez uma temporada assombrosa e na Selecção cumpriu com brilho é relegado para o banco.
Neto é considerado o 3º central mas quando chega a altura de chamar alguém, chama-se o Ricardo Costa. Isto faz-me lembrar mais 2010 do que 2002: a precisarmos de um lateral direito, entre Miguel e Paulo Ferreira, Queiroz preferiu adaptar o Ricardo Costa. Alguém entende isto?
3- Selecção envelhecida (quer na base quer nos suplentes). Vítor Baía, Jorge Costa, Fernando Couto, Paulo Bento, Pedro Barbosa, etc. Tantos já com mais de 30 e com pouca vontade de renovar. Em 2014, sucede o mesmo (Pepe, Bruno Alves, Ricardo Costa, Postiga, Raul Meireles).
4- A obstinação do treinador. António Oliveira com os seus jogadores intocáveis e Paulo Bento com os seus. Total inflexibilidade para mudar.
5- Táctica. Em 2002, era bola no Figo que ele resolvia ou então fazer chegar a bola ao Pauleta. Em 2014, é bola no CR7 que ele resolve ou balão do Bruno Alves para a ala direita e ver o que sai dos pés do Nani ou do João Pereira. Curiosamente, quando, em 2002, Portugal mudou o sistema táctico e o jogo passava obrigatoriamente pelos criativos do meio-campo, Portugal ganhou 4-0 à Polónia. Coincidências, certamente, porque contra a Coreia foi voltar ao mesmo e ao medo de atacar uma equipa manifestamente inferior.
6- Jogadores com a cabeça noutras paragens e desligados do jogo. Passes à queima, bolas perdidas gratuitamente, alívios para o adversário, pouca corrida (e jogadores que nem andam), erros de marcação, repetiu-se hoje o que aconteceu em 2002 contra EUA e Coreia do Sul.
7- Factores injustificáveis que perturbam a concentração dos jogadores. Em 2002, era Oliveira com as suas mezinhas e bruxarias no balneário e em 2014 é Paulo Bento que permite demasiada brincadeira dos jogadores (as dancinhas nos treinos, jogadores que levam "porrada" se falharem exercícios [e o tempo que todos perdem com isso], episódios de fotografias e brincadeiras com apanha-bolas, adeptos que invadem treinos e são alvo de atenção dos jornalistas e jornalistas que desviam a atenção dos jogadores com estes episódios, etc). Concentração nos treinos em níveis mínimos.
Luiz Felipe Scolari é um treinador básico - e eu não consigo gostar de um treinador que consegue perder duas vezes, em 3 semanas e em casa contra a Grécia -, mas sempre impôs autoridade (até em situações básicas como tratar os jogadores por "mininos" demonstra quem manda e como manda) e, apesar da pancada com a sr.ª do Caravaggio (pura questão de fé e devoção que se enquadra na livre escolha de cada um) e de ser teimoso, não era obstinado e era inteligente o suficiente para perceber que tinha de mudar. Ninguém tinha estatuto. Com Scolari desapareceu Vítor Baía e apareceu CR7 - tenho sérias dúvidas que com Paulo Bento um jovem de 18 anos, por mais talentoso que fosse, pudesse chegar a titular. E, mais importante, soube mudar radicalmente a equipa quando perdeu o primeiro jogo em casa contra a Grécia.
Talvez seja tarde para Paulo Bento recuperar todos os estragos já feitos, mas pode ainda minimizar alguns e talvez fazer renascer a equipa. Mudar jogadores com estatuto é obrigatório. Não lhe resta mais nada. Isto se não quiser repetir 2002 e ser mandado para casa depois de integrar um grupo com os EUA.
É típico português: não aprendemos com os erros do passado e só se pensa nos interesses pessoais de cada um. Enquanto os clientelismos, os estatutos e as teimosias cegas persistirem, nunca chegaremos a lugar algum. E não me venham com a conversa de que somos um país pequenino e tem poucas opções. A Bélgica tem uma equipa nova e de sonho e a Holanda é do tamanho do Alentejo e tem talento para dar e vender (gerações atrás de gerações). Menos empresários, menos brasileiros de 3.ª divisão e mais investimento em jogadores portugueses.
daqui: http://www.record.xl.pt/opiniao/leitores/interior.aspx?content_id=889376
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