quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A Praxe Académica

Falei muito da praxe, por aqui, antes do início do ano letivo, naquela altura em que os futuros caloiros tem mais medo disso do que de arrancar todos os dentes sem anestesia. Depois começaram as ditas e, este ano, eu já estava do outro lado. O que é que mudou no espaço de um ano?! Mil e uma coisas. Mas eu conto-vos tudo.
Primeiro, só para vos garantir que não é clichê, o ano de caloiro passa mesmo a correr. Quando me dei conta que já não era eu que era só caloira (caloira uma vez, caloira para sempre!) até me deu assim um friozinho na barriga. De repente, já era eu que fazia parte da casa, eu quem tinha a obrigação de integrar, eu que sabia onde era a casa de banho, que era tratada por você e que parecia vinda do outro planeta. Muito sinceramente, tenho saudades de ser só caloira, de encher, de cantar, de fazer jogos de mímica, de traduzir músicas pimbas para inglês. Muita gente não percebe porque é que isto é sinónimo de integração, eu também não percebia e achava só ridículo, mas quando se passa pela praxe, quando se passa por uma boa praxe, descobre-se que ali se cria união e que andar a cantar no meio da rua é só das melhores sensações de uma vida.
Numa das coisas em que mais noto que passar pela praxe mudou mesmo a ideia que tinha, foi o facto de já não ver em 'caloiro' algo com um sentido pejorativo. Durante uma vida inteira em que fazia planos para ser anti-praxe, que isso de ser caloiro parecia algo com muito pouco pedigree para mim, achei que era um nome quase ofensivo, uma coisa que me rebaixava. Passado o meu ano de caloiro e olho para a expressão com o maior carinho do mundo, por mim era sempre chamada de caloira, mesmo em frente aos meus caloiros. É assim ternurento. No fundo, o caloiro é alguém que nós temos que proteger, quase inconscientemente.
Não me arrependo nada de ter ido a todas as minhas praxes. Claro que há coisas que posso não concordar tanto, que acho que não têm tanta graça, mas a essência está lá, está na integração, no querer que pessoas que caem ali de para-quedas possam saber que não estão sozinhas, que há outros tantos na mesma situação e que os que cá estavam lá há um ano atrás sabem exatamente o que se sente no primeiro dia, quando se entra pela porta da faculdade e se pensa que aqueles trajados são tão inacessíveis e tão distantes de nós.
Lembro-me que, no primeiro dia de uma caloira, onde viu que estava trajada, me tratou muito timidamente por você, só para me perguntar onde era a casa de banho. Não são daquelas que berro muito, verdade seja dita, e só lhe consegui dizer que me podia tratar por tu, e que eu a levava à casa de banho. Mas também lhe podia ter dito que há um ano atrás, e parecia que tinha sido só ontem, era eu quem estava ali desorientada e que pensava que as pessoas com um traje eram más nas horas, quando na verdade é só um pequeno pormenor, um pequeno 'faz parte'.
E não, não é uma questão de superioridade ou de ter a mania que se é bom. É simplesmente, muito simplesmente, uma hierarquia que é tradição e que, se a naturalidade de quem diz que está acima dos caloiros for a igual à naturalidade com que diz 'eu também sou caloiro de alguém', nunca se perde o respeito por ninguém.
Canto hoje com mais orgulho que sou caloira, com muito amor, com muito orgulho, do que cantava há um ano. É mesmo verdade que precisamos de passar pelas coisas para saber aquilo que elas verdadeiramente são.