Quando penso nisto e quando penso que escrevo este texto porque já lidei com a morte, acho que ou nova de mais para tudo isto. Acho que só devia enfrentar estas coisas quando já tivesse a minha vida para lá do organizada, definida e sem inquietações. Mas isso é impossível. Não só porque não conseguimos atingir um estado de plena felicidade, mas porque não podemos escolher quando é que nos lixam as ideias e planos todos e de repente nos aparece a morte das coisas que mais gostamos nesta vida.
A primeira vez que sofri com tudo isto foi completamente de surpresa. Foi do género, o X. foi para o hospital e vinte minutos depois disseram-me que tinha morrido. Assim, sem mais nem menos. Sem uma explicação, sem poder perguntar o porquê, sem nada. Quando dei por mim, tinha uma data de gente a agarrar-me e a dizer-me "tens de ser forte". Foi horrível. Ainda hoje sofre com isso e hei-de sofrer sempre. Mas são coisas que com o tempo vão enfraquecendo um pouco.
Da segunda vez, que foi muito recentemente, já se esperava o pior. Há doenças que ditam o final antecipado das coisas e nós vamo-nos conformando cada dia que, mais cedo ou mais tarde, quem nós gostávamos já não vai estar ali. O facto de nos irmos preparando não nos ajuda nada. Poupa-se no choque, não ficamos tão incrédulos quando a morte acontece, mas o sofrimento de ver alguém a piorar de dia para dia, não compensa. Sentimo-nos impotentes, vemos que não somos capazes de ajudar, os dias são uma tortura e quando chegamos ao final de cada um a única coisa que pensamos é que por mais que tenhamos sofrido, esperamos que amanhã seja tudo igual. Porque antes igual que tudo pior.
As imagens de vemos alguém morto ou de encontrarmos alguém morto são inapagáveis da nossa memória. Por mais que queiramos não as conseguimos esquecer. As expressões, o toque... tudo. E era tão bom que isso tudo se apagasse.
Normalmente, dá-me para chorar. Por muito e muito tempo. Gosto de fazer parecer que está tudo bem, que estou melhor, que hei-de ficar bem num instante, mas quando tocam na ferida rebento. Não consigo controlar as lágrimas por mais que queira, não me consigo controlar por mais que saiba que a minha explosão de sofrimento vai fazer sofrer os outros. Uma vez, um amigo meu disse-me que não tinha conseguido estar comigo num desses momentos porque não aguentava ver-me sofrer. E não o culpei por essa "falta de coragem". Compreendo que não seja fácil estar a aturar um drama tão grande para o qual, inevitavelmente, os amigos são arrastados.
Comecei este texto por dizer que acho que sou demasiado nova para sentir estas coisas. Mas, infelizmente, todos nós estamos a sentir isto demasiado novos. No último ano, assisti a tantas situações de mortes de amigos, familiares... de colegas meus que foi assustador. Eu que não suporto funerais, e muito menos velórios (são uma forma de auto-tortura para todos os que lá estão) dei por mim em igrejas a dar um abraço a pessoas que nem eram os meus melhores amigos, mas sentido algum carinho por elas, era impensável para mim não estar lá para lhes dar o meu apoio, principalmente sabendo mais que bem o que estavam a passar.
Nestas alturas, não há grande coisa a dizer ou a fazer. As mensagens, as chamadas, essas coisas ajudam. É importante saber que há alguém que está disposto a acalentar-nos um bocadinho. Mas não se deve exagerar. A partir de certa altura, começa a ser muito doloroso ver que toda a gente nos diz "tens que ter força" quando o que nos apetece é chorar, não ligar a ninguém, deixar essa força de lado e hibernar-mos se possível. Mas não podemos porque, e como nos fazem questão de dizer, a vida continua.
Sim, a vida continua, mas nunca de forma igual. A nossa vida está cheia de pequenas mudanças. Se olhar para um ano atrás, passaram-se tão pequenas e insignificantes mudanças que, agora, ao ver tudo já com um certa distância temporal, apercebo-me que se juntou tudo numa grande mudança. E a morte de alguém determina o fim de um ciclo, o princípio de outro, uma mudança que nos vem lixar os planos, porque estávamos muito bem como estávamos, porque quando estamos bem não podemos mudar. Isso não volta mais, ficam as recordações, as memórias, as coisas boas que passámos juntos. Mas aquele contacto físico, esse, não está cá mais.
Agora é continuar. Porque o tempo, que não cura tudo, ajuda. Ajuda mesmo!
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